domingo, 19 de julho de 2009

Pensou, falou

Procurou durante anos e anos. Não obteve sucesso, infelizmente. Não que essa procura fosse predominante sobre outras coisas na vida, mas era algo destacável em seu espírito.
Buscava simplesmente pela busca, pelo fato de estar buscando. Não importava o quê, quem ou onde. A procura já se explicava por si mesma.
Porém, um dia achou o que não sabia estar procurando. Lá estava ela, fumando com uma das mãos e remexendo o cabelo com outra. Os dedos brincavam entre si e com o cabelo iluminado cor de ouro. A beleza do mar ao fundo da praia se mesclava com a beleza da mulher – era quase uma pintura.
A felicidade lhe encheu de coragem e vontade de viver. O suficiente para estufar os peitos e tirar algumas sujeiras de debaixo de certas unhas. O fato de existir agora tinha outro sentido para ele. Já podendo sentir o cheiro dos cabelos dourados, parou e abriu a boca para falar. Nada saiu. Olhou para o chão e a abriu novamente. As cordas vocais estavam paralisadas. Caralho, pensou.
- Caralho!
A mulher repentinamente se virou. Estraguei o momento, ele pensou.
- Estraguei o momento!
- Quê?
A mulher mirou-o de cima a baixo, com seus olhos cor de esmeralda.
Ele abriu a boca para se desculpar e explicar, mas nada saía. Abriu de novo, esforçando-se muito para pronunciar alguma palavra. Nada. Que inferno, pensou.
- Que inferno!
A mulher se levanta, mostrando possuir saliências por debaixo do vestido.
- O senhor está louco. Por favor, me dê licença.
Ele começou a tremer. Não poderia deixá-la escapar. A razão de continuar vivendo, a estrela que buscou por toda a sua vida, não poderia deixá-la! A mulher tentou se esquivar para sair de perto do homem. Não, não! - pensou.
- Não, não!
A mulher tirou a saliência por debaixo do vestido. Uma pistola prateada, linda. Mais linda talvez que a própria mulher.
Três tiros foram ouvidos ali.

O homem procurou, procurou... E morreu na praia.
Nada foi como ele queria, por ser enganado por si mesmo.

sábado, 27 de junho de 2009

Oi, eu existo

Eu tenho Twitter só pra dizer pros outros que tenho. Assim como faço faculdade só pra dizer pras pessoas que estudo.

Mentira? Eu existo, então vivo pros outros. Você lê isso pra dizer que leu.
Essa situação é tão séria, que podemos chegar ao ponto de fazer as coisas para provar para nós mesmos que as fazemos. É o fim, concorda?
Oi, eu existo. Existo pra provar a alguém isso ou aquilo.

Bibliografia:
Michael Jackson

quinta-feira, 14 de maio de 2009

Lixem-se!

Rapidez na vida, lerdeza de idéias.

É assim que funciona. Como este está sendo o mês da correria sem igual, deixo-os, leitores simpáticos, à deriva dessa sociedade escandalosa.
Assim como o querido deputado Sérgio Moraes, lixem-se para a opinião pública! Lixem-se para os dogmas! Lixem-se para a futilidade! Lixem-se das obrigações inúteis!

Com todo o respeito, esse mês eu estou me lixando para o blog.

terça-feira, 28 de abril de 2009

"Ética ou Ambição?"

A ambição é tudo o que você pretende fazer na vida. São seus objetivos, seus sonhos, suas resoluções. As pessoas costumam ter como ambição ganhar muito dinheiro, casar com uma moça ou um moço bonito ou viajar pelo mundo afora. A mais pobre das ambições é querer ganhar muito dinheiro, porque dinheiro por si só não é objetivo: é um meio para alcançar sua verdadeira ambição, como, por exemplo, viajar pelo mundo.
Já a ética são os limites que você se impõe na busca de sua ambição. É tudo que você não quer fazer na luta para conseguir realizar seus objetivos. Como não roubar, não mentir ou pisar nos outros para atingir sua ambição, ou seja, é o conjunto de princípios morais que se devem observar no exercício de uma profissão. A maioria dos pais se preocupa bastante quando os filhos não mostram ambição, mas nem todos se preocupam quando os filhos quebram a ética. Se o filho colou na prova, não importa , desde que tenha passado de ano, o objetivo maior.
Algumas escolas estão ensinando a nossos filhos que ética é ajudar os outros. Isso, porém, não é ética, é ambição. Ajudar os outros deveria ser um objetivo de vida, a ambição de todos, ou pelo menos da maioria. Aprendemos a não falar em sala de aula, a não perturbar a classe, mas pouco sobre ética. O problema do mundo é que normalmente decidimos nossa ambição antes de nossa ética, quando o certo seria o contrário. E por quê? Por que dependendo da ambição, torna-se difícil impor uma ética que frustrará nossos objetivos. Quando percebemos que não conseguiremos alcançar nossos objetivos, a tendência é reduzir o rigor ético, e não reduzir a ambição. Não há nada de errado em ser ambicioso, desde que se defina cedo o comportamento ético. Quando a ambição passa por cima da ética como um rolo compressor, o resultado é o que podemos acompanhar nos noticiários que ocupam as manchetes em nosso país. Assim, para mudar definitivamente essa situação, é preciso estabelecer um limite para nossa ambição não nos permitindo, em hipótese alguma, violar a ética para satisfação pessoal, em detrimento do coletivo. Conforme ensinou Jesus, "seja o seu falar: sim, sim, não, não". Seja em que situação for. E se estiver difícil definir se estamos agindo com ética ou não, basta imaginar como julgaríamos esse ato, se praticado por outra pessoa. Se o condenamos é porque não é ético. Se o aprovamos e julgamos justo, então podemos seguir em frente.
Defina sua ética quanto antes possível. A ambição não pode antecedê-la, é ela que tem de preceder à sua ambição. Essa estratégia faria frente a todos os prejuízos morais que a "Sociedade moderna" tem trazido aos nossos tempos. Para reflexão: Qual a prioridade primacial que os nossos jovens oficiais tem dado às suas vidas profissional e social? Ambição ou Ética?

STEPHEN KANITZ - Editado

terça-feira, 21 de abril de 2009

Hipócritas

Já faz um tempo que é “in” dizer que gosta dos pobres e excluídos. Doam um quilo de alimento e fazem rugas de pena.

Muitos nutrem seus próprios egos: cospem na cara; cospem no chão.

terça-feira, 14 de abril de 2009

Amandinha

Ela passeava na rua envolta de intenso e marcante cheiro que nunca em existência alguma outra pessoa poderia definir. Acenavam para a Amandinha, abanavam a Amandinha. Tão amada, tão doce – diziam os admiradores da Amandinha.
Os pássaros realçavam seus traços Faber-Castell e as árvores se inclinavam. Uma chuva de pétalas realçava as cores do lindo mundo em que Amandinha vivia. Os sorrisos ficavam mais brancos, e o céu mais azul; as pessoas se enchiam de vida.
Amandinha era linda. Suas saias vermelhas contrastavam com a pele branca. Linda, linda. Amandinha, Amandinha!
Um dia, Amandinha assobiava quando um homem tocou em seu ombro. Foi estuprada no beco. Ali perto de casa.
Tadinha da Amandinha.

quarta-feira, 8 de abril de 2009

Drive-thru

Já que a cidade em que vivo (Brasília) e a muitas outras no mundo pertencem aos carros, por que não fazer Drive-thru de tudo?
Os carros dominam a vida fora de casa, mandam e desmandam na política das ruas. Só na Justiça (que é lenta, complicada e que ninguém entende) é onde os pedestres tem vez.
A situação se tornou tão caótica que os comércios locais agora são dominados por carros. O espaço destinado às ruas para automóveis é (muito) maior que a destinada aos pedestres. Comércio local - o nome já diz! É comércio, é para pessoas comprarem, caminharem, escolherem e pagarem!
O campus universitário não escapa. Também é impressionante o grande domínio e autoridade aos quais são expostos os estudantes ao tentar atravessar ruas e "estradas" para comparecer às classes.
Por que não criar Drive-thru para tudo? A vida seria muito mais fácil!
Supermercados com drive-thru, as pessoas entram com carro por entre as estantes, escolhem o que querem... Drive-thru nas locadoras de vídeo. Drive-thru na universidade, todos assistindo às aulas de dentro do seu confortável veículo... Drive-thru no cinema!
Drive-thru na academia (nós nos exercitamos sentados mesmo...), drive-thru na discoteca!

Os pedestres seriam eliminados de vez, e todos ficariam proibidos de caminhar nas ruas.
Não seria muito mais fácil?

domingo, 22 de março de 2009

Excessos

Uma repetição do texto anterior. Um excesso aqui no blog.

Há menos casamentos e mais sexo. Há mais comida e mais fome. Há muitas opções de lazer, mas muito estresse. Há pouco dinheiro e muitos gastos.
Há excessos inexplicáveis.

quinta-feira, 12 de março de 2009

A carta

Estou aqui para escrever aquela que será minha última escrita nessa terra de ninguém. Eu também sou um ninguém, e cansei da falta de muita coisa e excesso de outras.
Não sei entender nada que se passa a minha volta. Nada! Não tenho mulher, mas tenho excesso de sexo. Não tenho comida, mas tenho excesso de lixo. Não tenho amigos, mas tenho que dar atenção para um número exagerado de pessoas.
Sou teleoperador.
Sou alto e tenho algumas espinhas, frutos de meu trabalho. O motivo do meu suicídio são essas malditas inflamações em minha cara que não saram! Você, que está lendo, provavelmente vá dizer que isso não é motivo pra um suicídio. É sim! As espinhas são apenas a gota d’água. Quando uma desaparece, outra se aventura a surgir em meu rosto. Ninguém dá muita credibilidade a alguém cheio de espinhas como eu. Nem um beijo de bom-dia de minhas colegas de trabalho consigo ganhar.
Também não sou muito bonito. Mas a beleza é relativa, não? Ou pelo menos é nisso que fazem a gente acreditar. É a única salvação psicológica para um mundo repleto de pessoas feias como eu. Mas espinhas, não! Espinhas não é o mundo inteiro que tem! É um grupo seleto e excluído em que eu estou incluído.
Uma vez, andava eu serelepe para um almoço. Tinha um sorriso gigantesco no rosto. Era o dia de pagamento. Tenho alguns dentes tortos na frente, mas isso não é problema. Acho eu... Pois bem. Servia-me de batata frita e um frango engordurado nojento e duro, quando ela apareceu. Uma mulher, e ao meu lado. Ela se servia de maionese e umas alfaces pretas. Olhei para seu rosto, ela tinha espinhas assim como as minhas! Comecei a ficar excitado. Imaginava nós dois tomando uma cerveja, rindo, fazendo sexo, tendo filhos... E as espinhas desaparecendo! Por que elas desapareciam? Olhei para ela, e um futuro lindo parecia me aguardar.
Eu disse, então, que comer maionese na rua era perigoso. Ela ergueu os olhos para mim. E, claro, sua visão percorreu minhas espinhas antes de encarar os meus olhos. Deu um sorrisinho no canto da boca. Ela falou que maionese dava espinhas. Eu ri. E ri de verdade! Mas escorreu um catarro pelo meu nariz durante minha risada. Fazia muito tempo que eu não ria, e já não sabia controlar meu próprio rosto. Ela, enojada, saiu de perto de mim.
Eu sou uma desgraça! Cansei... Por isso vou me matar. Não sou covarde, sou corajoso em excesso.
Mandem um beijo para minha mãe, Silviana das Graças Rosa, lá do Piauí.
E só tenho um último pedido a fazer: Descubram a porra da cura pra espinha!

quarta-feira, 4 de março de 2009

Muralha

Estou em cima de um muro entre a corrupção e a dignidade.
Não entendo. Para ter uma vida digna é necessário corromper-se?

Leia-se corrupção como o próprio Aurélio o define:
1. Ato ou efeito de corromper (-se); decomposição
2. Devassidão, depravação


A corrupção é corrosiva, faz as pessoas corrupiarem. O mundo da corrupção é uma brincadeira de corrupio, sim. E sempre no mesmo lugar.

terça-feira, 24 de fevereiro de 2009

Pois é. Mas...

Eu não vou falar do BBB esse ano.


- Eu não vou assistir ao BBB, está muito chato.
- Verdade.
- Pois é. Mas você viu as risadas da Naiá? Como ela força...
- Pior é o Flávio com aquela pose de intelectual.
- Em quem você acha que ele vota nessa semana?

No restaurante, após ouvir uma conversa da mesa vizinha:
- Odeio gente que fala sobre o BBB em restaurante.
- Concordo. Parece que não existe assunto melhor.
- Pois é. Mas aquela Francine não me engana. Muito falsa. É fácil ver que ela é super esperta.


Um post tem que ser dedicado a esse programa.
É muito chato, eu sei. E eu tentando arranjar aqui um assunto interessante pra comentar sobre ele. Pois é. Mas... vai isso mesmo.

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

Outra Missa do Galo

- O que você está lendo?
A mulher caminhava com uma camisola púrpura. A luz da sala, fraca e amarela, realçava as curvas da médica.
- Missa do Galo. – o menino, com seus dezessete anos, mal arriscava encarar a cor de pele morena que tanto o proclamava.
- Machado de Assis... É um belo conto. – a mulher sentou em frente ao garoto e ergueu um creme hidratante. Não se sabe de onde.
- Sim... Você gosta? – ele cedeu à tentação de vislumbrar a médica passar o hidratante nas coxas morenas e fortes. Sua mão dançava sobre a perna. Era uma valsa com as mãos e o creme.
- Não muito. Eu esperava que algo acontecesse no fim do conto... – ela encarou o menino nos olhos, desafiadora.
A mão ainda dançava pela perna.
- Eu tenho que ir dormir. O vestibular está chegando... – ele se ergueu desajeitado. Os olhos, como imãs, não desviavam do show de dança e prazer que acontecia na coxa da mulher.
Já parcialmente absorvido, o creme fazia a pele lisa brilhar, a cor morena se realçar e o cheiro de aveia desfazer os odores comuns de uma sala.
Eles se fitaram.


Apenas 5 minutos depois:
- Foi bom pra você? – a mulher acendia um cigarro, aborrecida.
O menino soltou um grunhido, extasiado.
- Pois é... – se levanta da cama e veste seu vestido de cor púrpura – Eu agora gosto da Missa do Galo.
O menino franze o cenho:
- Por quê?
- Machado estava certo. Não deveria acontecer nada no fim do conto.

quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009

Hierarquia do hierarquizado

Somos todos iguais perante Deus. Mas o próprio Deus também não é igual no meio de todos nós? Não há hierarquia para Ele. Quem inventou os hierarquizados? Os mais afortunados, dominando os menos? Os que hierarquizam...?
Da onde surgiu isso? Deus não criou a hierarquia. Ele não existe para sentar num trono diante de todos, diante de cabeças baixas, corpos ajoelhados que estendem os braços e a “fé”.
Se ele está em algum lugar, não é acima de mim com a presença cravada em rostos de pintura e grandes estátuas maiores que nós mesmos, acima de nossas cabeças. Ele não se sobrepõe aos nossos sentimentos, nossas felicidades e mágoas.
Ele não é o único fora da máxima “somos todos iguais”. Engano nosso, pois Ele faz parte dela. Tenho certeza: se ele está em algum lugar durante o nosso dia-a-dia, ou durante a nossa reza, é ao nosso lado. Eis que ele desliza para perto de nós. Ajoelha-se, reza junto. Ouve. Presta atenção em nossos pensamentos.
Ele também olha de baixo suas grandes estátuas e monumentos, olha de baixo para cima. Pois elas nada são além de pedra.
Eu não quero ir à praia e pensar que Deus está me olhando lá de cima. Não pode ser. Eu deslizo sobre a água, enquanto ele desliza ao meu LADO. Ele me toca, me transmite calor e frio. Faz-me cócegas, belisca meus pés. Queima minha pele. Cheira à sal.
Eu não quero dormir e pensar que Deus cuida de mim lá de cima. Quero pensar que ele dorme ao meu lado. Que me esquenta, me faz sonhar e acordar. Que faz meus olhos brilharem ao encarar o espaço e o infinito.
Ele está ali ao meu lado, apreciando o bolo de cenoura, a bala de morango e o beijo da minha mãe. Onde está a hierarquia?
Espero o dia em que todos nós iremos parar de vangloriar falsas auto-proclamações de terceiros. O dia em que não valorizaremos imagens e esculturas, e sim aquilo que se apresenta a nossa volta. Aquilo, que é a prova mais viva da existência de Deus, seja Ele como for.


Pobre seria do ser humano viver num mundo sem hierarquia. Voltaríamos a viver no Neolítico.
O Barack Obama, a Madonna, o Roberto Marinho e o Mao Tse-Tung se desculpam: hierarquia é fundamental.
O Papa não pede desculpas. Foi em nome de Deus.

quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009

"Racismo"

Luis Fernando Veríssimo - Comédias da Vida Pública (p.59-60)

- Escuta aqui, ó criolo...
- O que foi?
- Você andou dizendo por aí que no Brasil existe racismo.
- E não existe?
- Isso é negrice sua. E eu que sempre te considerei um negro de alma branca... É, não adianta. Negro quando não faz na entrada...
- Mas aqui existe racismo.
- Existe nada. Vocês têm toda a liberdade, têm tudo o que gostam. Têm carnaval, têm futebol, têm melancia... E emprego é o que não falta. Lá em casa, por exemplo, estão precisando de empregada. Pra ser lixeiro, pra abrir buraco, ninguém se habilita. Agora, pra uma cachacinha e um baile estão sempre prontos. Raça de safados. E ainda se queixam!
- Eu insisto, aqui tem racismo.
- Então prova, Beiçola. Prova. Eu alguma vez te virei a cara? Naquela vez que te encontrei conversando com a minha irmã, não te pedi com toda a educação que não aparecesse mais em nossa rua? Hein, tição? Quem apanhou de toda a família foi a minha irmã. Vais dizer que nós temos preconceito contra branco?
- Não, mas...
- Eu expliquei lá em casa que você não fez por mal, que não tinha confundido a menina com alguma empregadoza de cabelo ruim, não, que foi só um engano porque negro é burro mesmo. Fui teu amigão. Isso é racismo?
- Eu sei, mas...
- Onde é que está o racismo, então? Fala, Macaco.
- É que outro dia eu quis entrar de sócio num clube e não deixaram.
- Bom, mas pêra um pouquinho. Aí também já é demais. Vocês não têm o clube de vocês? Vão querer entrar no nosso também? Pera um pouquinho.
- Mas isso é racismo.
- Racismo coisa nenhuma! Racismo é quando a gente faz diferença entre pessoas por causa de cor de pele, como nos Estados Unidos. É uma coisa completamente diferente. Nós estamos falando do crioléu começar a freqüentar clube de branco, assim sem mais nem menos. Nada na mesma piscina e tudo.
- Sim, mas...
- Não senhor. Eu, por acaso, quero entrar no clube de vocês? Deus me livre.
- Pois é, mas...
- Não, tem paciência. Eu não faço diferença entre negro e branco, pra mim é tudo igual. Agora, eles lá e eu aqui. Quer dizer, há um limite.
- Pois então. O...
- Você precisa aprender qual é o seu lugar, só isso.
- Mas...
- E digo mais. É por isso que não existe racismo no Brasil. Porque aqui o negro conhece o lugar dele.
- É, mas...
- E enquanto o negro conhecer o lugar dele, nunca vai haver racismo no Brasil. Está entendendo? Nunca. Aqui existe diálogo.
- Sim, mas...
- E agora chega, você está ficando impertinente. Bate um samba aí que é isso que tu faz bem.



terça-feira, 27 de janeiro de 2009

Mudança

Ele fazia gestos, eufórico.

- Ahn? Barulho? Uma buzina, estou certo? Mas era muito agudo... Pernilongos. Estamos na época dos malditos pernilongos, os espalhafatosos. Dançam e berram... e comem. Mas, foi um berro? E se foi uma mulher dando gritos? Você disse que foi constante... um berro duradouro. Será? Não está mentindo, não é? Espero que não. Pode ser uma dama sendo assassinada. Ou um susto. Sim, foi duradouro. Esqueci. Quem sabe não era um filme? Ora, claro que poderia ser um filme. Hoje temos uma qualidade sonora nos aparelhos inimaginável... Quê? Não... É. Então não poderia ser um telefone tocando? Assim eu fico confuso! Foi ou não foi constante? Mas foi o que você disse. – mostrou o dedo do meio - Deixa pra lá...


Uma pessoa muda a outra.

quarta-feira, 21 de janeiro de 2009

Caretas de 1972


O que um clássico de Woody Allen e “Todo mundo em pânico” tem em comum?

Profetizo minhas idéias absurdas em meios a clichês cotidianos muito bem-vindos. Recebo-os de braços abertos, pois tudo o que me cerca é o que pode ser chamado de repetição. Pior: repetição-não-criativa. A palavra repetição, por si só, já carrega em si o sufixo “não criativa”? Essas e outras dúvidas podem ser sanadas assistindo-se a um filme chamado “Tudo o que você sempre quis saber sobre sexo, mas tinha medo de perguntar”, de Woody Allen. Sim, esse é o nome do filme.
A película, que mostra situações hilariantes, nada tem de muito inovador nos dias atuais. Traz idéias já comumente absorvidas pelo humor da sociedade hoje. O que surpreende, porém, é o ano de lançamento do filme: 1972.
1972? Eu não acreditava. Mulher de calcinha com cadeado, homem tendo relações sexuais com ovelhas e espermatozóides conversando... em 1972! Revi o filme sem acreditar ainda que fora lançado na dita época conservadora. Na era dos caretas. Pelo menos é o que dizemos hoje.
O que tanto apareceu nesse filme de Woody Allen, é o que aparece constantemente em filmes de comédia atuais disseminados pela juventude. São filmes de humor baixo, piadas preconceituosas. Mas que não deixam de ser humor! Nem podem deixar de ser desvalorizados perante outros tipos de comédia. O que define o que é e o que não é piada boa?
Como uma vez já disse aqui no blog, pessoas inovadoras são aquelas que enxergam além de seu tempo. Prevêem e semeiam aquilo que se tornará tendência...

Não creio que Woody Allen, assim como tantos outros, previu como seria a comédia no futuro.
Ele fez a comédia do futuro!
Assim como não acredito que Bill Gates seja um visionário que soube que um dia todos teriam computadores em casa.
Ele criou esse futuro!

É por isso que as repetições, criativas ou não, são sempre muito bem-vindas. São um modo de perpetuar tendências na sociedade.


Diante disso, lanço a todos nós um desafio: o que vemos hoje que será a tendência do amanhã?

segunda-feira, 12 de janeiro de 2009

Rascunho de fábula


Manoela caminha majestosamente em direção à parada de ônibus. Não costuma dar bom dia a ninguém, e sempre levanta o nariz. Simpatia é sinônimo de fraqueza, de vulnerabilidade.
Um anão negro lhe chama a atenção. Ele anda com uma bengala e usa óculos escuros. Cego, ela pensou. E era mesmo. Negro, anão, cego... e ainda anda de ônibus! Pobre coitado.
Jackson caminha malandramente em direção à parada de ônibus. Não costuma dar bom dia a ninguém, e sempre faz questão de forçar os músculos do braço. Braço forte é sinônimo de poder, de caráter.
Um anão negro lhe chama a atenção. Cego, ele pensou. E era mesmo. Negro, anão, cego... só resta ser homossexual! Pobre coitado.
Sabrina caminha decididamente até a parada. Tem o andar simples. Dá bom dia a todos e oferece chocolate para as três pessoas.
Manoela sorri com meio rosto e faz cara de desprezo em seguida.
Jackson mostra o braço.
O anão, por sua vez, aceita. Prova do chocolate e dá um sorriso sincero:
- Adoro Kopenhagen.
Sabrina consente com a cabeça. O motorista do anão, dirigindo um Chrysler, chega e pára em frente à parada.
- Quer carona, moça do chocolate?
- É Sabrina.
- Claro. – olha-a de cima a baixo - Mora aonde?
- Lago Sul...
- Eu também.
Os dois entram no automóvel, rindo e conversando.
Jackson se vira para Manoela:
- O ônibus pra Ceilândia já passou?
- Não vi.
- Aceita um batom?
- Quê?
- Batom... Chocolate.
Vida infeliz. Preconceituosa, pensa Manoela. Rejeita o chocolate com asco, e isso não mudará seus valores.


Moral da história: Pessoas simpáticas podem carregar coisas boas.
Moral da história 2: Pessoas aparentemente inferiores podem lhe oferecer uma grande carona.
Moral da história 3: Preconceito é coisa de gente pobre. Não economicamente.
Moral das entrelinhas: Não importa a marca do chocolate, carona é carona.