terça-feira, 24 de fevereiro de 2009
Pois é. Mas...
- Eu não vou assistir ao BBB, está muito chato.
- Verdade.
- Pois é. Mas você viu as risadas da Naiá? Como ela força...
- Pior é o Flávio com aquela pose de intelectual.
- Em quem você acha que ele vota nessa semana?
No restaurante, após ouvir uma conversa da mesa vizinha:
- Odeio gente que fala sobre o BBB em restaurante.
- Concordo. Parece que não existe assunto melhor.
- Pois é. Mas aquela Francine não me engana. Muito falsa. É fácil ver que ela é super esperta.
Um post tem que ser dedicado a esse programa.
É muito chato, eu sei. E eu tentando arranjar aqui um assunto interessante pra comentar sobre ele. Pois é. Mas... vai isso mesmo.
quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009
Outra Missa do Galo
A mulher caminhava com uma camisola púrpura. A luz da sala, fraca e amarela, realçava as curvas da médica.
- Missa do Galo. – o menino, com seus dezessete anos, mal arriscava encarar a cor de pele morena que tanto o proclamava.
- Machado de Assis... É um belo conto. – a mulher sentou em frente ao garoto e ergueu um creme hidratante. Não se sabe de onde.
- Sim... Você gosta? – ele cedeu à tentação de vislumbrar a médica passar o hidratante nas coxas morenas e fortes. Sua mão dançava sobre a perna. Era uma valsa com as mãos e o creme.
- Não muito. Eu esperava que algo acontecesse no fim do conto... – ela encarou o menino nos olhos, desafiadora.
A mão ainda dançava pela perna.
- Eu tenho que ir dormir. O vestibular está chegando... – ele se ergueu desajeitado. Os olhos, como imãs, não desviavam do show de dança e prazer que acontecia na coxa da mulher.
Já parcialmente absorvido, o creme fazia a pele lisa brilhar, a cor morena se realçar e o cheiro de aveia desfazer os odores comuns de uma sala.
Eles se fitaram.
Apenas 5 minutos depois:
- Foi bom pra você? – a mulher acendia um cigarro, aborrecida.
O menino soltou um grunhido, extasiado.
- Pois é... – se levanta da cama e veste seu vestido de cor púrpura – Eu agora gosto da Missa do Galo.
O menino franze o cenho:
- Por quê?
- Machado estava certo. Não deveria acontecer nada no fim do conto.
quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009
Hierarquia do hierarquizado
Da onde surgiu isso? Deus não criou a hierarquia. Ele não existe para sentar num trono diante de todos, diante de cabeças baixas, corpos ajoelhados que estendem os braços e a “fé”.
Se ele está em algum lugar, não é acima de mim com a presença cravada em rostos de pintura e grandes estátuas maiores que nós mesmos, acima de nossas cabeças. Ele não se sobrepõe aos nossos sentimentos, nossas felicidades e mágoas.
Ele não é o único fora da máxima “somos todos iguais”. Engano nosso, pois Ele faz parte dela. Tenho certeza: se ele está em algum lugar durante o nosso dia-a-dia, ou durante a nossa reza, é ao nosso lado. Eis que ele desliza para perto de nós. Ajoelha-se, reza junto. Ouve. Presta atenção em nossos pensamentos.
Ele também olha de baixo suas grandes estátuas e monumentos, olha de baixo para cima. Pois elas nada são além de pedra.
Eu não quero ir à praia e pensar que Deus está me olhando lá de cima. Não pode ser. Eu deslizo sobre a água, enquanto ele desliza ao meu LADO. Ele me toca, me transmite calor e frio. Faz-me cócegas, belisca meus pés. Queima minha pele. Cheira à sal.
Eu não quero dormir e pensar que Deus cuida de mim lá de cima. Quero pensar que ele dorme ao meu lado. Que me esquenta, me faz sonhar e acordar. Que faz meus olhos brilharem ao encarar o espaço e o infinito.
Ele está ali ao meu lado, apreciando o bolo de cenoura, a bala de morango e o beijo da minha mãe. Onde está a hierarquia?
Espero o dia em que todos nós iremos parar de vangloriar falsas auto-proclamações de terceiros. O dia em que não valorizaremos imagens e esculturas, e sim aquilo que se apresenta a nossa volta. Aquilo, que é a prova mais viva da existência de Deus, seja Ele como for.
Pobre seria do ser humano viver num mundo sem hierarquia. Voltaríamos a viver no Neolítico.
O Barack Obama, a Madonna, o Roberto Marinho e o Mao Tse-Tung se desculpam: hierarquia é fundamental.
O Papa não pede desculpas. Foi em nome de Deus.
quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009
"Racismo"
Luis Fernando Veríssimo - Comédias da Vida Pública (p.59-60)
- Escuta aqui, ó criolo...
- O que foi?
- Você andou dizendo por aí que no Brasil existe racismo.
- E não existe?
- Isso é negrice sua. E eu que sempre te considerei um negro de alma branca... É, não adianta. Negro quando não faz na entrada...
- Mas aqui existe racismo.
- Existe nada. Vocês têm toda a liberdade, têm tudo o que gostam. Têm carnaval, têm futebol, têm melancia... E emprego é o que não falta. Lá em casa, por exemplo, estão precisando de empregada. Pra ser lixeiro, pra abrir buraco, ninguém se habilita. Agora, pra uma cachacinha e um baile estão sempre prontos. Raça de safados. E ainda se queixam!
- Eu insisto, aqui tem racismo.
- Então prova, Beiçola. Prova. Eu alguma vez te virei a cara? Naquela vez que te encontrei conversando com a minha irmã, não te pedi com toda a educação que não aparecesse mais em nossa rua? Hein, tição? Quem apanhou de toda a família foi a minha irmã. Vais dizer que nós temos preconceito contra branco?
- Não, mas...
- Eu expliquei lá em casa que você não fez por mal, que não tinha confundido a menina com alguma empregadoza de cabelo ruim, não, que foi só um engano porque negro é burro mesmo. Fui teu amigão. Isso é racismo?
- Eu sei, mas...
- Onde é que está o racismo, então? Fala, Macaco.
- É que outro dia eu quis entrar de sócio num clube e não deixaram.
- Bom, mas pêra um pouquinho. Aí também já é demais. Vocês não têm o clube de vocês? Vão querer entrar no nosso também? Pera um pouquinho.
- Mas isso é racismo.
- Racismo coisa nenhuma! Racismo é quando a gente faz diferença entre pessoas por causa de cor de pele, como nos Estados Unidos. É uma coisa completamente diferente. Nós estamos falando do crioléu começar a freqüentar clube de branco, assim sem mais nem menos. Nada na mesma piscina e tudo.
- Sim, mas...
- Não senhor. Eu, por acaso, quero entrar no clube de vocês? Deus me livre.
- Pois é, mas...
- Não, tem paciência. Eu não faço diferença entre negro e branco, pra mim é tudo igual. Agora, eles lá e eu aqui. Quer dizer, há um limite.
- Pois então. O...
- Você precisa aprender qual é o seu lugar, só isso.
- Mas...
- E digo mais. É por isso que não existe racismo no Brasil. Porque aqui o negro conhece o lugar dele.
- É, mas...
- E enquanto o negro conhecer o lugar dele, nunca vai haver racismo no Brasil. Está entendendo? Nunca. Aqui existe diálogo.
- Sim, mas...
- E agora chega, você está ficando impertinente. Bate um samba aí que é isso que tu faz bem.